Tudo começa em uma cidade bem no meio da Inglaterra, Burton-upon-Trent, famosa, então, por suas cervejas fortes, escuras e doces. Com a eclosão das Guerras Napoleônicas…você deve ter estudado isso pro ENEM, lembra quando a família real portuguesa veio pro Brasil? Foi na mesma época!…
As exportações pelo Mar Báltico, que dava acesso ao mercado europeu, ficaram impossibilitadas, então, as cervejarias tiveram que buscar novos consumidores. E quem estava bombando nos anos de 1800 era a Índia, povoada por colonos ingleses com saudade das cervejas da terra natal! A Pale Ale era a breja mais popular, os cervejeiros de Burton começaram a fabricá-la, e tudo deu certo.
A Bitter de Burton era diferente das demais, a cerveja era mais seca e o amargor mais agradável. O dulçor residual consideravelmente menor, resultando em uma cerveja mais fácil de beber, alta drinkabilidade! Vamos entender o porquê?
A água da cidade é perfeita para a cerveja Pale Ale, destacando todas a qualidades! Isso acontece porque Burton está sobre um substrato de calcário, assim a água dos poços tem alta concentração de sulfato de cálcio – CaSO4! (Agora vamos embarcar nas aulas de química do ENEM) E olha que coincidência, o cátion Ca+2 e o ânion SO42-, são ótimos para a cerveja!
Mais de 90% da cerveja é água, há de se considerar a importância desse ingrediente na qualidade final do produto! Esses são alguns fatores que os cervejeiros podem controlar, a fim de obter o melhor resultado: pH, dureza, alcalinidade, íons. Na época, os cervejeiros de Burton não tinham esse conhecimento, e a descoberta da “água de Burton” para a Pale Ale foi ao acaso – contando com a “ajudinha” de Napoleão.
Os íons Ca+2 funcionam como cofator enzimático, ajudam a reduzir o pH, favorecem a coagulação proteica e estimulam o metabolismo da levedura. Já o sulfato (SO42-) ajuda a arredondar o amargor do lúpulo, criando uma cerveja seca e equilibrada!
Isso quer dizer que durante a brasagem, as enzimas que atuam quebrando os açucares dos grãos de malte ficam mais eficientes, resultando numa melhor extração e aproveitamento da matéria prima. Já o pH, atuando na faixa ideal, com a ajuda desses íons, contribuirá para melhor estabilidade microbiológica, e não extrairá compostos adstringentes do malte – melhor qualidade para a cerveja! O Ca+2 contribui, ainda, para o desenvolvimento das leveduras, impactando positivamente na fermentação, assim todos os açucares são convertidos em álcool e gás carbônico e com uma densidade final mais baixa. O resultado é uma cerveja mais seca do que estavam acostumados na época, e a aceitação foi ótima!
Vários outros íons também trazem melhores resultados para as cervejas, hoje sabemos aplicá-los de acordo com a receitas, estilos e resultado final pretendido. Por exemplo, a água de Burton, apesar de excelente para Bitters Inglesas, não é ideal para fazer Lagers alemãs. Essas pedem uma água mais leve, com menos concentração de íons e minerais. Assim é de se esperar que cada receita de cerveja, acompanhe uma receita de água! Isso mesmo, para cada cerveja que fazemos aqui na Prussia ajustamos as propriedades da água, ajudando a criar cervejas únicas!
Aqui na Prussia “burtonizamos” a água na receita dessa cerveja, claro, deixando um ‘terroir’ de São Gonçalo do Rio Abaixo, que nos trouxe a medalha de ouro no Festival Brasileiro da Cerveja 🥇!